Quinta-feira, Novembro 24, 2011
Anselmo Borges nas Jornadas Teológicas do Instituto Superior de Teologia, em Viseu
Anselmo Borges foi o primeiro conferencista destas Jornadas Teológicas, organizadas pelo Instituto de Teologia, que decorreram nos passados dias 21 e 22, em Viseu. Falou do tema “Secularização e Cristianismo” logo após a sessão de abertura, das 10 às 12h, com um intervalo, tendo havido um pequeno espaço de debate no final. Foi uma conferência seguida com muito interesse pelos participantes, entre os quais se integravam estudantes de teologia, sacerdotes e professores.
Começou por contextualizar desde as origens do cristianismo esta questão, tendo feito a destrinça conceptual entre secularização, laicidade e laicismo. Caracterizou o pensamento da modernidade, que veicula a realização da salvação da humanidade na imanência da história, como ateísmo positivo, profundamente inspirado e imbuído de uma concepção teológica. E definiu a pós-modernidade, em que vivemos, como a secularização da secularização.
Realçou que o cristianismo começou por ser surpreendentemente secular. Havia ministérios e carismas, mas não havia castas sacerdotais. A liturgia era celebrada em torno de uma refeição. Não havia templos nem língua sagrada. Com razão, a nova religião foi acusada de ateísmo.
O mundo antigo tinha uma visão panteísta ou panteizante da natureza e do mundo, ao contrário da concepção bíblica, de que o Ocidente é herdeiro, em que há uma separação entre Deus e o mundo, criatura e Criador. Deus criou do nada, ex-nihilo, livremente e por amor. O mundo não é divino. Não há rivalidade nem concorrência de interesses entre Deus e a criatura. A ciência progrediu no Ocidente, devido a esta distinção. Já no séc. XIII, S. Tomás de Aquino, na linha e por influência da “filosofia árabe-aristotélica” na península ibérica, reivindicou para a filosofia o estatuto de um corpo de conhecimentos como uma construção autónoma e crítica da razão, cujo contributo foi fundamental para a elaboração e fundamentação dos seus princípios teológicos. Foi tudo isto que tornou possível o despontar do Iluminismo séculos mais tarde. A esta luz, ganham todo o sentido as palavras de Cristo “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Infelizmente com o avanço do cristianismo ao longo do império romano, a mensagem e a prática foram sendo desvirtuadas. Constantino instrumentalizou a nova religião, “por motivos de Estado”, convocando concílios e desterrando patriarcas e bispos. A partir de então, “a contaminação” entre o poder espiritual e temporal estabeleceu-se. Com o Papa Bonifácio VIII, que fixou a doutrina dos dois poderes, os reis eram ungidos e governavam em nome de Deus por delegação. Mesmo Lutero reconhecia o carácter divino da autoridade estabelecida.
Foi no tratado de paz de Vestfália de 1648, que pôs fim à guerra dos 30 anos ( onde estiveram em jogo, entre outras, motivações religiosas), que se utilizou a designação “secularização” como apropriação/transferência dos bens eclesiásticos para o Estado. Na origem está o vocábulo latino saeculu(m), que significa período de 100 anos, vida no mundo, por contraposição à vida religiosa. Por isso se diz de um padre, quando abandona a vida sacerdotal, que passou ao estado secular ou estado laical. Do uso no âmbito da esfera jurídica passou para a esfera cultural, que hoje tem.
Anselmo Borges defendeu um Estado laico, estabelecendo a diferença entre os valores da laicidade, que defende um quadro normativo respeitador da adesão ou não a uma religião e ao direito de manifestação pública das crenças religiosas, de laicismo que pugna pela erradicação da religião da esfera pública, remetendo-a para a esfera privada de forma a diminuir e a anular a influência religiosa na sociedade. Referiu que um Estado laico não pode deixar de considerar o papel social e cultural das instituições religiosas e de agir em conformidade. Disse também que a religião pode constituir um recurso na orientação da razão, na busca de princípios e normas éticas, na articulação para a sensibilidade moral. Neste sentido, trouxe à colação uma reflexão de Habermas (que é agnóstico), escrita depois do 11 de Setembro, em que chama a atenção de algo que a razão não pode explicar: o perdão. Porque o perdão, uma dimensão constitutiva da matriz religiosa, designadamente a cristã, é um milagre, já que o algoz não tem direito ao perdão, e a vítima não é obrigada a perdoar. E o mesmo filósofo “reivindica” a necessidade da ressurreição dos mortos como imperativo ético, pois só assim será feita justiça aos milhões e milhões de vítimas inocentes.
Se na modernidade ainda se luta e promete a redenção na terra, sendo a teologia uma antropologia, na nossa época (na pós-modernidade) vive-se a secularização da secularização. È o fim das grandes narrativas, em que predomina a desconfiança da razão. É a era do pensamento débil e das pequenas histórias. É o mundo sem Deus, embora com religiões a mais, e caracterizado pela perda de sentido. É o tempo da sociedade sem tabus, excluindo a morte, que é grande questão insolúvel, e por isso apresentada como tabu.
“E encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez Homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escritura…”, proclamamos no Credo. O que aconteceu entre o nascimento e a ressurreição? O percurso dos discípulos com Jesus, que ouviram as suas palavras e viram os seus gestos e sinais, constituiu uma experiência avassaladora, de tal forma que alterou o rumo das suas vidas. Tornou-se-lhes claro que o Deus que Ele anunciou, era um Deus de Vida. E Jesus tinha de “estar” vivo. Foi esta profunda convicção que os mobilizou a anunciar a Boa Nova, dando por isso a vida e a vida até à morte.
A terminar, Anselmo Borges lançou o desafio para que se recupere o roteiro da vida de Jesus Cristo, acrescentando que mundo secularizado tem a vantagem de implicar uma fé mais esclarecida e uma mais consequente coerência de vida. Mas tem de haver uma maior sintonia da Igreja com o Mundo, tornando, designadamente, "as celebrações mais atractivas, com liturgias belas”, concluiu.
Etiquetas: Anselmo Borges, Igreja
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