12 de dezembro de 2009

CABELOS E SÍMBOLOS "FORMAÇÃO PROFISSIONAL"



CABELOS E SÍMBOLOS

A história e a mitologia ligadas aos cabelos e ao seu corte são, geralmente, esquecidas, ou tratadas como apêndice em obras sobre a história do traje ou a simbologia do vestuário. Não são conhecidos, em Portugal, estudos da evolução do penteado ou da profissão de barbeiro.

No entanto, é indesmentível a quantidade de denotações que o cabelo encerra, dos tempos bíblicos de Sansão e Dalila ao provocante estilo hyppie, aos Beatles ou aos penteados co­loridos e marciais dos punks dos anos 80.

Ainda na Bíblia, Isaías ameaça os Hebreus com a cólera celeste, e prevê que o Senhor tornará calvos os filhos de Sião. Mas, mesmo na Bíblia, ter cabelo nem sempre é sinal de liga­ção com a divindade e de protecção celeste: Absalão fica preso numa árvore pelos seus cabelos, o que permite a Job apanhá-lo e matá-lo.

Todas as civilizações tiveram a sua própria mitologia li­gada aos cabelos e à barba. No Egipto, por exemplo, os fa­raós usavam perucas e barbas rituais, e a rainha Hatchepsout, um dos poucos soberanos do sexo feminino, é sempre repre­sentada nas gravuras da época usando peruca e barba pos­tiça.

Noutros cantos do mundo, a importância dada ao cabelo manifesta-se de outras formas: na trança dos mandarins chi­neses, no trofeu do escalpe dos índios da América do Norte, nas ofertas de cabelos aos deuses na Grécia antiga.

Berenice, mulher de Ptolomeu, oferecera a sua cabeleira a Afrodite para obter o regresso do seu marido da guerra. A cabeleira desapareceu do templo, e o astrónomo Cónon su­geriu que ela se tinha transformado numa constelação, que ainda hoje se chama Cabeleira de Berenice...

No entanto, a «guerra» entre barbeiros e cirurgiões foi uma constante até aos últimos séculos, com éditos sucessivos a mar­car a fronteira entre o que podia e não podia ser feito por

uns e por outros.

Em 1301, o preboste de Paris, Renaud Bardon, ameaça castigar severamente vinte e seis barbeiros que se entregam à cirurgia e proíbe-lhes semelhante actividade, pelo menos até que tenham sido examinados por mestres de cirurgia, para sa­ber se estão aptos para os cuidados médicos. Até aqui, por­tanto, o barbeiro podia ser também cirurgião, desde que «exa­minado».

A QUERELA COM OS CIRURGIÕES

Catherine Lebas e Annie Jacques estudaram a evolução da profissão de cabeleireiro em França em La Coiffure en France du Moyen Age à Nos Jours (Delmas International, 1979). E, sabido como em termos de legislação e usos sem­pre se reproduziu no nosso país o que vinha de França, é lá que iremos buscar ideias sobre o que poderá ter sido a arte de cortar o cabelo e pentear em Portugal (e no resto da Europa).

Em França, a profissão de cabeleireiro só aparece no re­gisto de actividades de 1292. Segundo esse censo, haveria na altura, em Paris, 151 barbeiros, 199 camareiras e 29 pentea­deiras e peruqueiras, cujas atribuições coincidem quase per­feitamente com a actual profissão de barbeiros e cabeleireiros.

A grande diferença é que aos barbeiros cabia muito mais do que barbear: regra geral, o barbeiro era também o médico das pequenas mazelas, competindo-lhe fazer sangrias, arran­car dentes e pensar feridas, além de executar a pequena ci­rurgia.

Esta multiplicidade de atribuições desagradava principal­mente aos cirurgiões encartados, apesar de estes, com medo de contaminações e populismos, raramente atenderem às ne­cessidades dos camponeses e vilões, reservando a sua ciência para os nobres e o clero.

140

BARBEIROS E SANGRADORES EM PORTUGAL

Não abundam, em Portugal, estudos sobre a história do ofício de barbeiro. Há, no entanto, numa publicação da Dr.a Maria Helena Guerra, da Escola Superior de Medicina Den­tária de Lisboa, alguns apontamentos curiosos, que vale a pena

citar.

Assim, a investigadora refere que os barbeiros portugue­ses tiveram regimento próprio, aprovado pelo Senado de Lis­boa, desde o século XVI, e que a sua carta era passada pelo cirurgião-mor, que devia examiná-los em competência de cor­tar e pentear, mas também de sangrar e tirar dentes, activi­dades em que deviam ter pelo menos dois anos de prática, junto de um mestre ou de um hospital.

O médico Brás Luís de Abreu, citado por Maria Helena Guerra, terá sido um dos mais acesos críticos da prática da pequena cirurgia pelos barbeiros, nomeadamente no seu Por­tuga! Médico (1726), em que refere a Prática de Barbeiros em 4 Tratados,em Quais Se Trata de Como Se Há-de Sangrar,

de Manuel Leytão:

Assim que o sangrador decora a Prática de Barbeiros de Manuel Leytão, que custa trinta reis em papel (...), hei-lo me-

141

tido connosco, e de dia em dia se vai enxertando em licen­ciado, e não é que também queira alistar-se em doutor...

Desta convivência entre barbeiros e físicos sairiam, aliás, prestigiados académicos. Entre os referenciados no estudo, destaca-se Manuel Constando, barbeiro-sangrador do século XVIII que foi um reputado professor de Anatomia e Cirur­gia em Lisboa.

Maria Helena Guerra refere ainda, a propósito de sangra-dores, que, segundo as Constituições Antigas de Pombeiro, os monges se sangravam de dois em dois meses, e que o fun­dador do Mosteiro do Tojal, no bispado de Viseu, determi­nou que as suas religiosas, mesmo saudáveis, fossem sangra­das de seis em seis meses.

Uma portaria de 13 de Julho de 1870 acabou com o ofí­cio de sangrador em Portugal...

HUMILHADOS E OFENDIDOS

O estudo referido, apesar de não se debruçar exclusiva­mente sobre o ofício de barbeiro e a sua história, contém, no entanto, vários elementos sobre esta profissão, sendo o único que descobrimos respeitante a esta actividade no nosso país.

Entre essas informações, contam-se algumas particular­mente interessantes, pela noção que dão da importância re­lativa do barbeiro e do cirurgião.

Uma delas refere-se a um censo realizado em Lisboa, em 1551, e que cita o número de práticos registados por Cristó­vão de Oliveira: 57 médicos, 60 cirurgiões, 197 barbeiros e 25 parteiras.

Dada a natureza das provas exigidas aos candidatos a barbeiros-sangradores e cirurgiões, verificava-se também que muitos deles eram analfabetos, o que os impedia de se actua­lizarem com estudos científicos e decretos reais, pelo que, em 1693, uma lei passou a obrigá-los a saber ler e escrever...

142

Maria Helena Guerra sugere ainda que foi a importância desde sempre atribuída aos barbeiros que esteve na origem da pouca consideração pelos cirurgiões, que não gozavam do prestígio dos médicos, os teóricos, nem do sucesso dos bar­beiros, muito mais procurados pelo povo.

Além disso, aquela investigadora refere também como os barbeiros-sangradores rapidamente passaram a cirurgiões, e como em certas cortes eram desproporcionadamente prote­gidos e estimados. Em Londres, nomeadamente, organizaram--se em colégio especial, com privilégios e garantias dados por

Eduardo IV em 1462.

Em Florença, segundo Castiglioni, citado por Helena Guerra, todos os barbeiros deviam ser considerados como per­tencentes à arte, havidos e reputados como médicos, com pres­tação de juramento e submetidos à dita arte e aos cônsules da mesma.

O PECADO CAPILAR

É difícil, até ao século XV, historiar a evolução da Moda na Europa, pelo menos em termos dos usos relativos aos ca­belos, já que todos os documentos que se conhecem referem como fundamental a cobertura da cabeça, tanto dentro como fora de casa, especialmente depois do casamento.

No entanto, podem avaliar-se as normas que se faziam sen­tir sobre a forma de trazer e usar o cabelo se pensarmos em como a sociedade desses tempos observava escrupulosamente a Bíblia, e se cotejarmos algumas referências feitas no Livro dos Livros a esse respeito.

São Pedro exige às mulheres de boa moral que escondam o seu cabelo e usem roupas modestas. São Paulo proscreve as mulheres que se atreverem a orar ou profetizar de cabelo descoberto e imodestamente vestidas.

Por outro lado, a Igreja proibia categoricamente qualquer alteração na cor ou na forma dos cabelos, considerando-a pe-

cado capital de correcção dos actos divinos; a hierarquia re­ligiosa considerava emanação da Natureza divina a separa­ção de homens e mulheres pelo comprimento dos respectivos cabelos...

Em 692, o Concílio de Constantinopla ameaça de exco­munhão todos os que frisarem ou pintarem o seu cabelo, e, em 1337, o Concílio de Avinhão preconiza que, em sinal de obediência, os religiosos cortem o seu cabelo todos os meses. Em 1388, a Igreja estabelece que a tonsura dos padres tenha pelo menos quatro dedos de diâmetro.

Quase mil anos depois de Constantinopla, em 1583, o Con­cílio Provincial de Tours declara proscrita a mulher que usar a cabeça descoberta, e, alguns anos depois, o Concílio de Faenza proíbe o uso de perucas. Mas, em 1593, três religio­sas causam tremendo escândalo em Paris por se passearem descobertas, frisadas e empoadas...

no ano de 1629, e refere que, a partir de 1660, até os clérigos usam cabeleira postiça. No fim do século, os próprios cria­dos dos grandes nobres e burgueses usarão a peruca da moda. Em compensação, a moda capilar feminina sofisticava-se, desembaraçando-se dos pesados constrangimentos medievais, e dando origem a penteados de longos caracóis que pendiam sobre as faces e a testa, sendo que cada cabeleireiro os dis­punha de forma a melhor fazer sobressair a beleza da sua

cliente.

No entanto, as modas duravam décadas, até que alguma dama mais influente na Corte, rainha, princesa ou preferida do rei, se dispusesse a aparecer numa festa penteada de ma­neira diferente, no que era imediatamente seguida por todas as outras cortesãs, se a sua audácia merecesse a admiração e a aprovação do soberano.

BENDITAS PERUCAS

No princípio do século XVII, depois de centenas de anos de cabelos curtos, nasce a moda do cabelo comprido para os homens. Aparentemente, o novo uso foi lançado por Luís XIII, de França, e rapidamente seguido em outras capitais eu­ropeias, nomeadamente pelo duque de Buckingham, que se apresentava ornado de farta cabeleira em todas as celebrações oficiais para que era convidado.

Em seguida, a moda dos cabelos longos dará origem à moda das perucas, que assinalará a fase de maior prosperi­dade e de maior crescimento na profissão de cabeleireiro, de­sencadeando uma necessidade de mestres na arte de cortar ca­belos, fazer postiços, penteá-los frequentemente, empoá-los, limpá-los, etc.

O abade Thiers, autor de uma História das Perucas, pu­blicada em Paris em 1690, situa o aparecimento dessa moda

144

O CASO CHAMPAGNE

Até ao princípio do século XVII, a maior parte das mu­lheres, mesmo as de condição, desconhecia a existência de pro­fissionais do sexo feminino especializadas em pentear. Só as damas da Corte, obrigadas a mais do que um penteado diá­rio, recorriam às camareiras.

O alargamento dessa profissão a homens era considerado ofensa aos costumes e à moral, um atentado várias vezes con­denado pela Igreja, que se recusava a admitir que uma mu­lher pudesse recorrer aos cuidados de um cabeleireiro, que um homem pudesse penetrar na intimidade dos aposentos femi­ninos.

Fosse como fosse, a verdade é que, em 1635, surge em França o primeiro cabeleireiro de senhoras, um homem cha­mado Champagne, que rapidamente ofuscou com o seu bri­lho a reputação de cabeleireiras (penteadeiras), como Laran-say, Jeanneton, Poulet e Bariton.

145

Para as damas da Corte, provocar um petit scandal era muitas vezes a única forma de dar nas vistas, atrair a aten­ção do rei, e, com ela, as pequenas e grandes benesses que eram a razão de ser do séquito de cortesãos que permanente­mente orbitavam a figura do soberano.

O certo é que Champagne surge em 1635 e exercerá uma influência profunda na Corte do seu tempo. Foram muitos os que, despeitados com a intimidade e a altivez com que o cabeleireiro tratava com as mais distintas cortesãs, o tenta­ram caluniar e ostracizar.

Com alguma razão, deve dizer-se. Segundo o testemunho de Tallement des Reaux, Champagne exercia um poder dis­cricionário sobre as suas clientes, deixando os penteados a meio e exigindo que elas o beijassem, por exemplo, ou expul­sassem do seu círculo algum nobre, para o terminar. Não é difícil perceber porque granjeara tantos ódios...

EM PENTES E PERUCAS ESFORÇADOS

Ser barbeiro do rei era, mais do que uma profissão, um cargo de prestígio que, muitas vezes, acabava por ter refle­xos ao nível da nobiliarquia, como prova o exemplo dos ir­mãos Quentin, que foram dos mais famosos peruqueiros do século XVII.

François Quentin, o mais velho, nasceu em 1630, e conhe­ceu o rei na loja em que trabalhava, e onde Luís XIV ia mui­tas vezes procurar na sangria o alívio para as mazelas que lhe perturbavam a existência.

Mas, em 1670, fica vago o lugar de barbeiro do rei. Fran­çois Quentin é nomeado para o lugar. Começa a sua ascen­são social. Em 1681, já marquês de Champcenetz pelos ser­viços prestados à Coroa, casa com Elisabeth Orceau, de vinte anos, filha de burgueses parisienses. Terá três filhos: um ra­paz, que herdará o seu lugar na Corte, e duas raparigas, que

146

casarão com o conde de Denouville e o marquês de Deute-ville, assegurando assim definitivamente a ligação da família à nobreza.

Entretanto, Jean Quentin, o mais novo, inventava uma nova técnica na fabricação de perucas, imaginando uma forma de entretecer os cabelos que permitirá ainda mais sofistica­ção dos postiços, maior volume e mais altura.

Graças possivelmente à influência do irmão François, con­segue que o rei e Colbert pressionem a corporação dos barbeiros-peruqueiros a adquirir os direitos da invenção. Com essa fortuna, Jean compra diversas propriedades e os títulos de senhor e alto-justiceiro de Villiers-sur-Orge, para onde se retira em 1690.

Em pentes e perucas esforçados, os irmãos Quentin tinham passado de anónimos oficiais de barbeiro a membros da no­breza e da alta burguesia, mais depressa do que muitos gene­rais e altos dignitários da Corte.

OS EXCESSOS DE MARIA ANTONIETA

Desde o fim da Idade Média, o penteado feminino sofreu uma lenta mas segura evolução no sentido da simplificação, quer no tamanho, quer no tratamento a que era sujeito. Mas, no século XVII, começa a ganhar terreno uma forma de pen­tear os cabelos das damas, com tranças e longos caracóis que irão justificar o aparecimento de 600 cabeleireiros femininos, na esteira do controverso Champagne.

Por volta de 1760, um fenómeno mostra o interesse que então se começa a dar à moda: surgem vários livros de cabe­leireiros famosos sobre a sua arte (A Arte do Penteado Fe­minino, Da Natureza dos Cabelos e da Arte de Pentear, Tra­tado dos Princípios e da Arte de Pentear, etc), assim como numerosas revistinhas ilustradas que publicavam estampas com os últimos modelos usados na Corte.

14

7

Na mesma época, surgem também os primeiros «merca­dores de moda», que se associarão em corporação e cujo po­der se pode comparar hoje ao dos estilistas de Alta Costura, pela facilidade com que criavam e impunham estilos. A moda, embora fosse ainda um processo muito mais lento do que hoje, acelerava-se.

Pela mesma altura, Maria Antonieta adopta e generaliza a moda dos altos penteados que Nicolau Tolentino de Almeida tão bem satirizou em O Colchão Dentro do Toucado. As da­mas passam a usar nos seus penteados toda a espécie de refe­rências a pormenores da vida social ou militar, flores, ren­das.

De barcos em miniatura a pequenos frascos para manter viçosas as flores, tudo viajava nos grandes toucados do fim do século XVIII. Para realizar semelhantes penteados, o ca­beleireiro passava com a sua cliente a maior parte do dia, e, em certas ocasiões, podia levar dois dias para completar a sua obra, obrigando a cortesã a dormir sentada...

O COLCHÃO DENTRO DO TOUCADO

Chaves na mão, melena desgrenhada, Batendo o pé na casa, a mãe ordena Que o furtado colchão, fofo e de penna, A filha o ponha alli, ou a creada:

A filha, moça esbelta e aperaltada, Lhe diz co'a doce voz, que o ar serena: «Sumiu-se-lhe um colchão, é forte pena! Olhe não fique a casa arruinada!»

«Tu respondes assim? tu zombas d'isto? Tu cuidas que, por ter pae embarcado, Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,

148

Arremette-lhe á cara e ao penteado: Eis senão quando, (caso nunca visto!) Sae-lhe o colchão de dentro do toucado.

Nicolau Tolentino de Almeida (1741-1811)

A REVOLUÇÃO E A MODA

Não surpreende que a Revolução Francesa, afectando toda a vida do seu país, desencadeasse também profundas altera­ções na moda, tanto em França como nos outros países eu­ropeus.

Mas a revolução veio culminar um longo processo social que já antes tinha feito desaparecer duas importantes modas, velhas de séculos: a peruca masculina e o empoamento.

A peruca, que ia sendo cada vez menos sofisticada desde os tempos de Luís XIV, desaparece quase totalmente alguns anos antes da Revolução, para regressar depois timidamente, a tempo de ser completamente erradicada pelos revolucioná­rios.

A moda de empoar a cabeça com farinha verdadeira de­saparece também, nesses anos anteriores à Revolução, aos gol­pes dos que a acusavam de matar à fome o povo: segundo um crítico, a farinha usada por 200 elegantes daria para ali­mentar uma pequena cidade.

Antes da Revolução, no entanto, ainda se verão duas pe­quenas enormidades: a ultraluxuosa peruca em fios de vidro, para os novos-ricos deslumbrados com a vida em sociedade, e a peruca em palha-de-aço, indestrutível, capaz de servir vá­rias gerações, enfim, o postiço económico para os cortesãos menos endinheirados...

Com a revolução, todos estes excessos serão banidos, Mas, poucos anos depois, a peruca voltará, agora nas cabeças fe-

mininas: as mulheres mandavam cortar o cabelo dos seus ma­ridos condenados, e usavam-no depois em perucas, para mos­trar a sua hostilidade ao regime.

Mas, excepto este renascimento na moda das perucas, os novos tempos pouco têm a ver com as cortes faustosas de Luís XIV e Luís XV. Cortes muito curtos, quase sem penteado, discrição e contenção aparecem um pouco por toda a Europa, excepto onde esses sinais são interpretados pelas monarquias reinantes como sinais revolucionários.

ARTE POR ARTE

Desde o século XVII que os penteados usados pelas actri­zes e cantoras de óperas de sucesso influenciavam as modas, embora com pouca projecção internacional, já que essa in­fluência só se exercia directamente nas grandes capitais cul­turais, e, indirectamente, raras vezes ultrapassava as fronteiras.

No entanto, com a difusão do cinema, depois da Primeira Guerra Mundial, a moda conhece um novo impulso. Os pen­teados, a cor do cabelo, a maquilhagem e o vestuário das es­trelas da Sétima Arte vão ser copiados por mulheres em todo o mundo.

O exemplo das enfermeiras americanas, desembarcadas na Europa para a Primeira Guerra, e os primeiros filmes mudos trarão a todas as europeias um novo modelo: o corte à gar-çonne, que só conhecerá difusão depois de adoptado por Coco Chanel.

Depois, o cinema trará à Europa o louro das deusas do cinema norte-americano, e finalmente os penteados de Ma-rilyn Monroe e Brigitte Bardot.

Nos anos sessenta, com o aparecimento e a generalização da televisão, a moda massifica-se ainda mais, até conhecer, já nos anos 80, a desmassificação total, em que todas as mo­das e costumes se usam a bel-prazer de cada um.

150

No entanto, ainda se verifica a influência massificante de poderosos meios de comunicação, como a TV, nomeadamente através das telenovelas e dos penteados das suas heroínas. Não é preciso, sequer, esforçar muito a memória para encontrar rastos bem visíveis de algumas das últimas telenovelas.

E valerá a pena falar ainda, neste capítulo, da influência das estrelas da música, com o seu cortejo de imagens de marca, imediatamente copiadas por milhões de jovens de todo o mundo? É vê-los, aos jovens, punks ou neo-românticos, reg-gae ou heavy-metal, em Lisboa, Madrid, Londres ou Nova Iorque. E em Paris, onde, afinal, tudo começou...

CABELOS, PARA QUE VOS QUERO?

Uma arte ligada ao cabelo nasceu no século XIX: a da «joalharia em cabelo», verdadeira filigrana em cabelo que, na maior parte dos casos, se destinava a ser oferecida entre apaixonados, substituindo o velho costume de oferecer um ca­racol numa caixinha.

Já no testamento de Napoleão uma cláusula determinava que do seu cabelo se fizessem pulseiras com um pequeno fe­cho em ouro, que seriam depois oferecidas à imperatriz Maria--Luisa, à mãe do imperador e a cada um dos seus irmãos.

Balzac refere várias ofertas deste género nos seus roman­ces, e, num deles, refere o caso de um apaixonado que des­cobre que a mulher por quem batia o seu coração lhe tinha enviado um lenço bordado em cabelo. Mas os cabelos, longe de serem seus, tinham sido escolhidos numa famosa loja pa­risiense...

Filigrana, bordado em seda ou em tule, em roupa interior, entrançado em pulseiras, fios, correntes de relógio, ou até de­senhando motivos em plaquetas de vidro, chegando ao por­menor de servir de base a retratos realizados por conceitua­dos artistas, o cabelo mostrava assim mais uma faceta.

151

A sofisticação irá até à realização de verdadeiras paisa­gens, cada vez mais complexas, sobre madeira ou marfim, de­pendendo da dimensão, muitas vezes terminadas com agua­rela ou tintas. Ou, para os puristas, cabelos de várias cores, excepto, naturalmente, o verde e o azul...

A partir de 1930, com o aparecimento dos primeiros cham­pôs neutros, a moda chegou a gregos e a troianos, destronando os antigos costumes, contrários à lavagem.

NUNCA A CABEÇA!

Durante séculos, homens e mulheres nasceram, viveram e morreram sem jamais lavar a cabeça! O preceito, antigo, vinha já da famosa escola médica de Salerno, no século IX: Saepe manus, raro pedes, nunquam caput. Ou, em português: lavar frequentemente as mãos, pouco os pés e nunca a cabeça!

Em meados do século XIX, ainda muitos especialistas re­comendavam que se enxugasse rapidamente a cabeça depois de a lavar, já que a humidade era perniciosa para os cabelos. Outros atribuíam ao uso da lavagem do cabelo pavorosos reu-matismos que originavam a queda dos dentes, depois de, pri­meiro, fazerem cair o próprio cabelo.

Para limpar o cabelo, portanto, nada melhor do que empoá-lo, primeiro, escovando-o depois com toda a força, de forma a tirar toda a farinha. Para os cabelos que, com esta operação, não ficassem, pelo seu cheiro, próprios para usar em sociedade, um óleo odorífero...

Só a partir dos anos 80 do século passado se generalizou a lavagem do cabelo, devida, sobretudo, ao aparecimento dos champôs, que, evidentemente, requeriam a utilização de água.

Os primeiros champôs consistiam em sabão negro fervido em água, e eram preparados pelos próprios cabeleireiros. Mais tarde, o sabão negro foi substituído por produtos obtidos pela saponificação de óleo de palma e de coqueiro, mas este pro­cesso tinha o inconveniente de dar origem a champôs alcali­nos, que precipitavam o calcário da água, tornando os cabe­los grisalhos.

152

CURAS E TINTURAS

Apesar dos maus tratos dados aos cabelos (ou talvez mesmo por causa desses maus tratos), eles iam vivendo como podiam. Segundo alguns autores, o cabelo era um tubo fibroso que exalava um óleo próprio, como parte de um processo res­piratório de grande importância para o organismo, o que le­vava a duas conclusões: não afogar o organismo com lava­gens, e retirar o óleo da melhor forma possível, nomeadamente empoando-o e escovando-o em seguida...

Esta interpretação, no entanto, não impediu que as ele­gantes tenham desde sempre tentado mudar a cor do seu ca­belo. Desde a Antiguidade Clássica que se conheciam tintu­ras vegetais e minerais, mas tinham o inconveniente de ter de ser renovadas todos os dias e de, por exemplo, não resisti­rem a um aguaceiro. Até que, quase no fim do século XIX, surge a água oxigenada e se descobrem as suas propriedades descolorantes. Então, alguns farmacêuticos decidem diluir os antigos preparos vegetais e minerais em água oxigenada, anun­ciando milagrosas propriedades que permitiam pintar o ca­belo de qualquer cor.

Infelizmente, o resultado era mais literal do que se dese­jaria. Por um lado, o efeito desses produtos dependia muito do estado de saúde do utilizador e do seu cabelo, o que le­vava a efeitos quase nulos, nuns casos, e, noutros, a des­colorações completas e irreversíveis, obrigando os crédulos a andar de cabeça tapada até que o folículo capilar se recom­pusesse.

Mas o pior era quando, por alguma razão menos esclare­cida, o produto actuava de uma forma diferente daquela para

153

que tinha sido concebido, deixando o seu utilizador com me­chas verdes, azuis ou avermelhadas.

Conclusão: muitos cabeleireiros recusavam-se a usar es­ses produtos, até que, em 1910, apareceram os primeiros co­rantes e descorantes seguros, à base de parafenilenediamina.


SEM PONTO FINAL

Os que nos lêem esperariam, agora, que esta «história com cabelos» avançasse pelos dias de hoje, ao toque da moderni­dade.

Mas serão outros capítulos deste livro que se encarregam de informar e satisfazer o leitor: é o caso dos depoimentos pessoais dos irmãos Pinto; é a natureza dos dados técnicos incluídos em outras páginas; é a notícia das novas linhas e dos cuidados a seguir, conforme os comportamentos e tipos de cabelo; é a diversidade dos serviços proporcionados por Pinto's Cabeleireiros, desde o corte personalizado à análise laboratorial, à utilização do computador ou ao recurso à mi-crocirurgia capilar.

Fiquem, assim, relevadas as omissões, ou o que pareça como tal, nesta sequência a integrar no todo.

Sem fecharmos, portanto, o capítulo, vamos descobrir, até à «ponta final» desta obra, os irmãos Pinto como páginas vi­vas, eles próprios, da história do penteado masculino de co­tação internacional, num mercado que evolui e ganha lugar relevante no mundo da moda.

PARTE V

Cabeleireiro e conselheiro

Conversando com os clientes sobre a escolha do visual

Para um glossário do corte e da técnica

Conselho

geral

— Espessura, textura e tipo

Conselho

1

— Análise das limitações-

Conselho

2

— Situação assumida

Conselho

3

— Alternativas e opções

Conselho

4

— Desfrisagem e permanente

Conselho

5

— Personalidade e moda

Conselho

6

— Estudo do rosto

Conselho

7

— Tipos e modelos

Conselho

8

— Tratamento capilar

Conselho

9

— Operação de secagem

Conselho

10

— Problemas do cabelo misto

Conselho

11

— Cabelo normal — parabéns e saúde

Conselho

12

— Cabelo seco — problemas e atenção

Conselho

13

— Cabelo oleoso — precauções e cuidados


154

Sem comentários:

Enviar um comentário