CABELOS E SÍMBOLOS
A história e a mitologia ligadas aos cabelos e ao seu corte são, geralmente, esquecidas, ou tratadas como apêndice em obras sobre a história do traje ou a simbologia do vestuário. Não são conhecidos, em Portugal, estudos da evolução do penteado ou da profissão de barbeiro.
No entanto, é indesmentível a quantidade de denotações que o cabelo encerra, dos tempos bíblicos de Sansão e Dalila ao provocante estilo hyppie, aos Beatles ou aos penteados coloridos e marciais dos punks dos anos 80.
Ainda na Bíblia, Isaías ameaça os Hebreus com a cólera celeste, e prevê que o Senhor tornará calvos os filhos de Sião. Mas, mesmo na Bíblia, ter cabelo nem sempre é sinal de ligação com a divindade e de protecção celeste: Absalão fica preso numa árvore pelos seus cabelos, o que permite a Job apanhá-lo e matá-lo.
Todas as civilizações tiveram a sua própria mitologia ligada aos cabelos e à barba. No Egipto, por exemplo, os faraós usavam perucas e barbas rituais, e a rainha Hatchepsout, um dos poucos soberanos do sexo feminino, é sempre representada nas gravuras da época usando peruca e barba postiça.
Noutros cantos do mundo, a importância dada ao cabelo manifesta-se de outras formas: na trança dos mandarins chineses, no trofeu do escalpe dos índios da América do Norte, nas ofertas de cabelos aos deuses na Grécia antiga.
Berenice, mulher de Ptolomeu, oferecera a sua cabeleira a Afrodite para obter o regresso do seu marido da guerra. A cabeleira desapareceu do templo, e o astrónomo Cónon sugeriu que ela se tinha transformado numa constelação, que ainda hoje se chama Cabeleira de Berenice...
No entanto, a «guerra» entre barbeiros e cirurgiões foi uma constante até aos últimos séculos, com éditos sucessivos a marcar a fronteira entre o que podia e não podia ser feito por
uns e por outros.
Em 1301, o preboste de Paris, Renaud Bardon, ameaça castigar severamente vinte e seis barbeiros que se entregam à cirurgia e proíbe-lhes semelhante actividade, pelo menos até que tenham sido examinados por mestres de cirurgia, para saber se estão aptos para os cuidados médicos. Até aqui, portanto, o barbeiro podia ser também cirurgião, desde que «examinado».
A QUERELA COM OS CIRURGIÕES
Catherine Lebas e Annie Jacques estudaram a evolução da profissão de cabeleireiro em França
Em França, a profissão de cabeleireiro só aparece no registo de actividades de 1292. Segundo esse censo, haveria na altura, em Paris, 151 barbeiros, 199 camareiras e 29 penteadeiras e peruqueiras, cujas atribuições coincidem quase perfeitamente com a actual profissão de barbeiros e cabeleireiros.
A grande diferença é que aos barbeiros cabia muito mais do que barbear: regra geral, o barbeiro era também o médico das pequenas mazelas, competindo-lhe fazer sangrias, arrancar dentes e pensar feridas, além de executar a pequena cirurgia.
Esta multiplicidade de atribuições desagradava principalmente aos cirurgiões encartados, apesar de estes, com medo de contaminações e populismos, raramente atenderem às necessidades dos camponeses e vilões, reservando a sua ciência para os nobres e o clero.
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BARBEIROS E SANGRADORES EM PORTUGAL
Não abundam, em Portugal, estudos sobre a história do ofício de barbeiro. Há, no entanto, numa publicação da Dr.a Maria Helena Guerra, da Escola Superior de Medicina Dentária de Lisboa, alguns apontamentos curiosos, que vale a pena
citar.
Assim, a investigadora refere que os barbeiros portugueses tiveram regimento próprio, aprovado pelo Senado de Lisboa, desde o século XVI, e que a sua carta era passada pelo cirurgião-mor, que devia examiná-los em competência de cortar e pentear, mas também de sangrar e tirar dentes, actividades em que deviam ter pelo menos dois anos de prática, junto de um mestre ou de um hospital.
O médico Brás Luís de Abreu, citado por Maria Helena Guerra, terá sido um dos mais acesos críticos da prática da pequena cirurgia pelos barbeiros, nomeadamente no seu Portuga! Médico (1726), em que refere a Prática de Barbeiros em 4 Tratados,
de Manuel Leytão:
Assim que o sangrador decora a Prática de Barbeiros de Manuel Leytão, que custa trinta reis em papel (...), hei-lo me-
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tido connosco, e de dia em dia se vai enxertando em licenciado, e não é que também queira alistar-se em doutor...
Desta convivência entre barbeiros e físicos sairiam, aliás, prestigiados académicos. Entre os referenciados no estudo, destaca-se Manuel Constando, barbeiro-sangrador do século XVIII que foi um reputado professor de Anatomia e Cirurgia em Lisboa.
Maria Helena Guerra refere ainda, a propósito de sangra-dores, que, segundo as Constituições Antigas de Pombeiro, os monges se sangravam de dois em dois meses, e que o fundador do Mosteiro do Tojal, no bispado de Viseu, determinou que as suas religiosas, mesmo saudáveis, fossem sangradas de seis em seis meses.
Uma portaria de 13 de Julho de 1870 acabou com o ofício de sangrador em Portugal...
HUMILHADOS E OFENDIDOS
O estudo referido, apesar de não se debruçar exclusivamente sobre o ofício de barbeiro e a sua história, contém, no entanto, vários elementos sobre esta profissão, sendo o único que descobrimos respeitante a esta actividade no nosso país.
Entre essas informações, contam-se algumas particularmente interessantes, pela noção que dão da importância relativa do barbeiro e do cirurgião.
Uma delas refere-se a um censo realizado em Lisboa, em 1551, e que cita o número de práticos registados por Cristóvão de Oliveira: 57 médicos, 60 cirurgiões, 197 barbeiros e 25 parteiras.
Dada a natureza das provas exigidas aos candidatos a barbeiros-sangradores e cirurgiões, verificava-se também que muitos deles eram analfabetos, o que os impedia de se actualizarem com estudos científicos e decretos reais, pelo que, em 1693, uma lei passou a obrigá-los a saber ler e escrever...
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Maria Helena Guerra sugere ainda que foi a importância desde sempre atribuída aos barbeiros que esteve na origem da pouca consideração pelos cirurgiões, que não gozavam do prestígio dos médicos, os teóricos, nem do sucesso dos barbeiros, muito mais procurados pelo povo.
Além disso, aquela investigadora refere também como os barbeiros-sangradores rapidamente passaram a cirurgiões, e como em certas cortes eram desproporcionadamente protegidos e estimados. Em Londres, nomeadamente, organizaram--se em colégio especial, com privilégios e garantias dados por
Eduardo IV em 1462.
Em Florença, segundo Castiglioni, citado por Helena Guerra, todos os barbeiros deviam ser considerados como pertencentes à arte, havidos e reputados como médicos, com prestação de juramento e submetidos à dita arte e aos cônsules da mesma.
O PECADO CAPILAR
É difícil, até ao século XV, historiar a evolução da Moda na Europa, pelo menos em termos dos usos relativos aos cabelos, já que todos os documentos que se conhecem referem como fundamental a cobertura da cabeça, tanto dentro como fora de casa, especialmente depois do casamento.
No entanto, podem avaliar-se as normas que se faziam sentir sobre a forma de trazer e usar o cabelo se pensarmos em como a sociedade desses tempos observava escrupulosamente a Bíblia, e se cotejarmos algumas referências feitas no Livro dos Livros a esse respeito.
São Pedro exige às mulheres de boa moral que escondam o seu cabelo e usem roupas modestas. São Paulo proscreve as mulheres que se atreverem a orar ou profetizar de cabelo descoberto e imodestamente vestidas.
Por outro lado, a Igreja proibia categoricamente qualquer alteração na cor ou na forma dos cabelos, considerando-a pe-
cado capital de correcção dos actos divinos; a hierarquia religiosa considerava emanação da Natureza divina a separação de homens e mulheres pelo comprimento dos respectivos cabelos...
Em 692, o Concílio de Constantinopla ameaça de excomunhão todos os que frisarem ou pintarem o seu cabelo, e, em 1337, o Concílio de Avinhão preconiza que, em sinal de obediência, os religiosos cortem o seu cabelo todos os meses. Em
Quase mil anos depois de Constantinopla, em 1583, o Concílio Provincial de Tours declara proscrita a mulher que usar a cabeça descoberta, e, alguns anos depois, o Concílio de Faenza proíbe o uso de perucas. Mas, em 1593, três religiosas causam tremendo escândalo em Paris por se passearem descobertas, frisadas e empoadas...
no ano de 1629, e refere que, a partir de 1660, até os clérigos usam cabeleira postiça. No fim do século, os próprios criados dos grandes nobres e burgueses usarão a peruca da moda. Em compensação, a moda capilar feminina sofisticava-se, desembaraçando-se dos pesados constrangimentos medievais, e dando origem a penteados de longos caracóis que pendiam sobre as faces e a testa, sendo que cada cabeleireiro os dispunha de forma a melhor fazer sobressair a beleza da sua
cliente.
No entanto, as modas duravam décadas, até que alguma dama mais influente na Corte, rainha, princesa ou preferida do rei, se dispusesse a aparecer numa festa penteada de maneira diferente, no que era imediatamente seguida por todas as outras cortesãs, se a sua audácia merecesse a admiração e a aprovação do soberano.
BENDITAS PERUCAS
No princípio do século XVII, depois de centenas de anos de cabelos curtos, nasce a moda do cabelo comprido para os homens. Aparentemente, o novo uso foi lançado por Luís XIII, de França, e rapidamente seguido em outras capitais europeias, nomeadamente pelo duque de Buckingham, que se apresentava ornado de farta cabeleira em todas as celebrações oficiais para que era convidado.
Em seguida, a moda dos cabelos longos dará origem à moda das perucas, que assinalará a fase de maior prosperidade e de maior crescimento na profissão de cabeleireiro, desencadeando uma necessidade de mestres na arte de cortar cabelos, fazer postiços, penteá-los frequentemente, empoá-los, limpá-los, etc.
O abade Thiers, autor de uma História das Perucas, publicada em Paris em 1690, situa o aparecimento dessa moda
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O CASO CHAMPAGNE
Até ao princípio do século XVII, a maior parte das mulheres, mesmo as de condição, desconhecia a existência de profissionais do sexo feminino especializadas
O alargamento dessa profissão a homens era considerado ofensa aos costumes e à moral, um atentado várias vezes condenado pela Igreja, que se recusava a admitir que uma mulher pudesse recorrer aos cuidados de um cabeleireiro, que um homem pudesse penetrar na intimidade dos aposentos femininos.
Fosse como fosse, a verdade é que, em 1635, surge em França o primeiro cabeleireiro de senhoras, um homem chamado Champagne, que rapidamente ofuscou com o seu brilho a reputação de cabeleireiras (penteadeiras), como Laran-say, Jeanneton, Poulet e Bariton.
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Para as damas da Corte, provocar um petit scandal era muitas vezes a única forma de dar nas vistas, atrair a atenção do rei, e, com ela, as pequenas e grandes benesses que eram a razão de ser do séquito de cortesãos que permanentemente orbitavam a figura do soberano.
O certo é que Champagne surge em 1635 e exercerá uma influência profunda na Corte do seu tempo. Foram muitos os que, despeitados com a intimidade e a altivez com que o cabeleireiro tratava com as mais distintas cortesãs, o tentaram caluniar e ostracizar.
Com alguma razão, deve dizer-se. Segundo o testemunho de Tallement des Reaux, Champagne exercia um poder discricionário sobre as suas clientes, deixando os penteados a meio e exigindo que elas o beijassem, por exemplo, ou expulsassem do seu círculo algum nobre, para o terminar. Não é difícil perceber porque granjeara tantos ódios...
Ser barbeiro do rei era, mais do que uma profissão, um cargo de prestígio que, muitas vezes, acabava por ter reflexos ao nível da nobiliarquia, como prova o exemplo dos irmãos Quentin, que foram dos mais famosos peruqueiros do século XVII.
François Quentin, o mais velho, nasceu em 1630, e conheceu o rei na loja em que trabalhava, e onde Luís XIV ia muitas vezes procurar na sangria o alívio para as mazelas que lhe perturbavam a existência.
Mas, em 1670, fica vago o lugar de barbeiro do rei. François Quentin é nomeado para o lugar. Começa a sua ascensão social. Em 1681, já marquês de Champcenetz pelos serviços prestados à Coroa, casa com Elisabeth Orceau, de vinte anos, filha de burgueses parisienses. Terá três filhos: um rapaz, que herdará o seu lugar na Corte, e duas raparigas, que
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casarão com o conde de Denouville e o marquês de Deute-ville, assegurando assim definitivamente a ligação da família à nobreza.
Entretanto, Jean Quentin, o mais novo, inventava uma nova técnica na fabricação de perucas, imaginando uma forma de entretecer os cabelos que permitirá ainda mais sofisticação dos postiços, maior volume e mais altura.
Graças possivelmente à influência do irmão François, consegue que o rei e Colbert pressionem a corporação dos barbeiros-peruqueiros a adquirir os direitos da invenção. Com essa fortuna, Jean compra diversas propriedades e os títulos de senhor e alto-justiceiro de Villiers-sur-Orge, para onde se retira em 1690.
Em pentes e perucas esforçados, os irmãos Quentin tinham passado de anónimos oficiais de barbeiro a membros da nobreza e da alta burguesia, mais depressa do que muitos generais e altos dignitários da Corte.
OS EXCESSOS DE MARIA ANTONIETA
Desde o fim da Idade Média, o penteado feminino sofreu uma lenta mas segura evolução no sentido da simplificação, quer no tamanho, quer no tratamento a que era sujeito. Mas, no século XVII, começa a ganhar terreno uma forma de pentear os cabelos das damas, com tranças e longos caracóis que irão justificar o aparecimento de 600 cabeleireiros femininos, na esteira do controverso Champagne.
Por volta de 1760, um fenómeno mostra o interesse que então se começa a dar à moda: surgem vários livros de cabeleireiros famosos sobre a sua arte (A Arte do Penteado Feminino, Da Natureza dos Cabelos e da Arte de Pentear, Tratado dos Princípios e da Arte de Pentear, etc), assim como numerosas revistinhas ilustradas que publicavam estampas com os últimos modelos usados na Corte.
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Na mesma época, surgem também os primeiros «mercadores de moda», que se associarão em corporação e cujo poder se pode comparar hoje ao dos estilistas de Alta Costura, pela facilidade com que criavam e impunham estilos. A moda, embora fosse ainda um processo muito mais lento do que hoje, acelerava-se.
Pela mesma altura, Maria Antonieta adopta e generaliza a moda dos altos penteados que Nicolau Tolentino de Almeida tão bem satirizou
De barcos em miniatura a pequenos frascos para manter viçosas as flores, tudo viajava nos grandes toucados do fim do século XVIII. Para realizar semelhantes penteados, o cabeleireiro passava com a sua cliente a maior parte do dia, e, em certas ocasiões, podia levar dois dias para completar a sua obra, obrigando a cortesã a dormir sentada...
O COLCHÃO DENTRO DO TOUCADO
Chaves na mão, melena desgrenhada, Batendo o pé na casa, a mãe ordena Que o furtado colchão, fofo e de penna, A filha o ponha alli, ou a creada:
A filha, moça esbelta e aperaltada, Lhe diz co'a doce voz, que o ar serena: «Sumiu-se-lhe um colchão, é forte pena! Olhe não fique a casa arruinada!»
«Tu respondes assim? tu zombas d'isto? Tu cuidas que, por ter pae embarcado, Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,
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Arremette-lhe á cara e ao penteado: Eis senão quando, (caso nunca visto!) Sae-lhe o colchão de dentro do toucado.
Nicolau Tolentino de Almeida (1741-1811)
A REVOLUÇÃO E A MODA
Não surpreende que a Revolução Francesa, afectando toda a vida do seu país, desencadeasse também profundas alterações na moda, tanto em França como nos outros países europeus.
Mas a revolução veio culminar um longo processo social que já antes tinha feito desaparecer duas importantes modas, velhas de séculos: a peruca masculina e o empoamento.
A peruca, que ia sendo cada vez menos sofisticada desde os tempos de Luís XIV, desaparece quase totalmente alguns anos antes da Revolução, para regressar depois timidamente, a tempo de ser completamente erradicada pelos revolucionários.
A moda de empoar a cabeça com farinha verdadeira desaparece também, nesses anos anteriores à Revolução, aos golpes dos que a acusavam de matar à fome o povo: segundo um crítico, a farinha usada por 200 elegantes daria para alimentar uma pequena cidade.
Antes da Revolução, no entanto, ainda se verão duas pequenas enormidades: a ultraluxuosa peruca em fios de vidro, para os novos-ricos deslumbrados com a vida em sociedade, e a peruca em palha-de-aço, indestrutível, capaz de servir várias gerações, enfim, o postiço económico para os cortesãos menos endinheirados...
Com a revolução, todos estes excessos serão banidos, Mas, poucos anos depois, a peruca voltará, agora nas cabeças fe-
mininas: as mulheres mandavam cortar o cabelo dos seus maridos condenados, e usavam-no depois em perucas, para mostrar a sua hostilidade ao regime.
Mas, excepto este renascimento na moda das perucas, os novos tempos pouco têm a ver com as cortes faustosas de Luís XIV e Luís XV. Cortes muito curtos, quase sem penteado, discrição e contenção aparecem um pouco por toda a Europa, excepto onde esses sinais são interpretados pelas monarquias reinantes como sinais revolucionários.
ARTE POR ARTE
Desde o século XVII que os penteados usados pelas actrizes e cantoras de óperas de sucesso influenciavam as modas, embora com pouca projecção internacional, já que essa influência só se exercia directamente nas grandes capitais culturais, e, indirectamente, raras vezes ultrapassava as fronteiras.
No entanto, com a difusão do cinema, depois da Primeira Guerra Mundial, a moda conhece um novo impulso. Os penteados, a cor do cabelo, a maquilhagem e o vestuário das estrelas da Sétima Arte vão ser copiados por mulheres em todo o mundo.
O exemplo das enfermeiras americanas, desembarcadas na Europa para a Primeira Guerra, e os primeiros filmes mudos trarão a todas as europeias um novo modelo: o corte à gar-çonne, que só conhecerá difusão depois de adoptado por Coco Chanel.
Depois, o cinema trará à Europa o louro das deusas do cinema norte-americano, e finalmente os penteados de Ma-rilyn Monroe e Brigitte Bardot.
Nos anos sessenta, com o aparecimento e a generalização da televisão, a moda massifica-se ainda mais, até conhecer, já nos anos
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No entanto, ainda se verifica a influência massificante de poderosos meios de comunicação, como a TV, nomeadamente através das telenovelas e dos penteados das suas heroínas. Não é preciso, sequer, esforçar muito a memória para encontrar rastos bem visíveis de algumas das últimas telenovelas.
E valerá a pena falar ainda, neste capítulo, da influência das estrelas da música, com o seu cortejo de imagens de marca, imediatamente copiadas por milhões de jovens de todo o mundo? É vê-los, aos jovens, punks ou neo-românticos, reg-gae ou heavy-metal, em Lisboa, Madrid, Londres ou Nova Iorque. E em Paris, onde, afinal, tudo começou...
CABELOS, PARA QUE VOS QUERO?
Uma arte ligada ao cabelo nasceu no século XIX: a da «joalharia em cabelo», verdadeira filigrana em cabelo que, na maior parte dos casos, se destinava a ser oferecida entre apaixonados, substituindo o velho costume de oferecer um caracol numa caixinha.
Já no testamento de Napoleão uma cláusula determinava que do seu cabelo se fizessem pulseiras com um pequeno fecho em ouro, que seriam depois oferecidas à imperatriz Maria--Luisa, à mãe do imperador e a cada um dos seus irmãos.
Balzac refere várias ofertas deste género nos seus romances, e, num deles, refere o caso de um apaixonado que descobre que a mulher por quem batia o seu coração lhe tinha enviado um lenço bordado
Filigrana, bordado em seda ou em tule, em roupa interior, entrançado em pulseiras, fios, correntes de relógio, ou até desenhando motivos em plaquetas de vidro, chegando ao pormenor de servir de base a retratos realizados por conceituados artistas, o cabelo mostrava assim mais uma faceta.
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A sofisticação irá até à realização de verdadeiras paisagens, cada vez mais complexas, sobre madeira ou marfim, dependendo da dimensão, muitas vezes terminadas com aguarela ou tintas. Ou, para os puristas, cabelos de várias cores, excepto, naturalmente, o verde e o azul...
A partir de 1930, com o aparecimento dos primeiros champôs neutros, a moda chegou a gregos e a troianos, destronando os antigos costumes, contrários à lavagem.
NUNCA A CABEÇA!
Durante séculos, homens e mulheres nasceram, viveram e morreram sem jamais lavar a cabeça! O preceito, antigo, vinha já da famosa escola médica de Salerno, no século IX: Saepe manus, raro pedes, nunquam caput. Ou, em português: lavar frequentemente as mãos, pouco os pés e nunca a cabeça!
Em meados do século XIX, ainda muitos especialistas recomendavam que se enxugasse rapidamente a cabeça depois de a lavar, já que a humidade era perniciosa para os cabelos. Outros atribuíam ao uso da lavagem do cabelo pavorosos reu-matismos que originavam a queda dos dentes, depois de, primeiro, fazerem cair o próprio cabelo.
Para limpar o cabelo, portanto, nada melhor do que empoá-lo, primeiro, escovando-o depois com toda a força, de forma a tirar toda a farinha. Para os cabelos que, com esta operação, não ficassem, pelo seu cheiro, próprios para usar em sociedade, um óleo odorífero...
Só a partir dos anos 80 do século passado se generalizou a lavagem do cabelo, devida, sobretudo, ao aparecimento dos champôs, que, evidentemente, requeriam a utilização de água.
Os primeiros champôs consistiam em sabão negro fervido em água, e eram preparados pelos próprios cabeleireiros. Mais tarde, o sabão negro foi substituído por produtos obtidos pela saponificação de óleo de palma e de coqueiro, mas este processo tinha o inconveniente de dar origem a champôs alcalinos, que precipitavam o calcário da água, tornando os cabelos grisalhos.
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CURAS E TINTURAS
Apesar dos maus tratos dados aos cabelos (ou talvez mesmo por causa desses maus tratos), eles iam vivendo como podiam. Segundo alguns autores, o cabelo era um tubo fibroso que exalava um óleo próprio, como parte de um processo respiratório de grande importância para o organismo, o que levava a duas conclusões: não afogar o organismo com lavagens, e retirar o óleo da melhor forma possível, nomeadamente empoando-o e escovando-o em seguida...
Esta interpretação, no entanto, não impediu que as elegantes tenham desde sempre tentado mudar a cor do seu cabelo. Desde a Antiguidade Clássica que se conheciam tinturas vegetais e minerais, mas tinham o inconveniente de ter de ser renovadas todos os dias e de, por exemplo, não resistirem a um aguaceiro. Até que, quase no fim do século XIX, surge a água oxigenada e se descobrem as suas propriedades descolorantes. Então, alguns farmacêuticos decidem diluir os antigos preparos vegetais e minerais em água oxigenada, anunciando milagrosas propriedades que permitiam pintar o cabelo de qualquer cor.
Infelizmente, o resultado era mais literal do que se desejaria. Por um lado, o efeito desses produtos dependia muito do estado de saúde do utilizador e do seu cabelo, o que levava a efeitos quase nulos, nuns casos, e, noutros, a descolorações completas e irreversíveis, obrigando os crédulos a andar de cabeça tapada até que o folículo capilar se recompusesse.
Mas o pior era quando, por alguma razão menos esclarecida, o produto actuava de uma forma diferente daquela para
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que tinha sido concebido, deixando o seu utilizador com mechas verdes, azuis ou avermelhadas.
Conclusão: muitos cabeleireiros recusavam-se a usar esses produtos, até que, em 1910, apareceram os primeiros corantes e descorantes seguros, à base de parafenilenediamina.
SEM PONTO FINAL
Os que nos lêem esperariam, agora, que esta «história com cabelos» avançasse pelos dias de hoje, ao toque da modernidade.
Mas serão outros capítulos deste livro que se encarregam de informar e satisfazer o leitor: é o caso dos depoimentos pessoais dos irmãos Pinto; é a natureza dos dados técnicos incluídos em outras páginas; é a notícia das novas linhas e dos cuidados a seguir, conforme os comportamentos e tipos de cabelo; é a diversidade dos serviços proporcionados por Pinto's Cabeleireiros, desde o corte personalizado à análise laboratorial, à utilização do computador ou ao recurso à mi-crocirurgia capilar.
Fiquem, assim, relevadas as omissões, ou o que pareça como tal, nesta sequência a integrar no todo.
Sem fecharmos, portanto, o capítulo, vamos descobrir, até à «ponta final» desta obra, os irmãos Pinto como páginas vivas, eles próprios, da história do penteado masculino de cotação internacional, num mercado que evolui e ganha lugar relevante no mundo da moda.
PARTE V
Cabeleireiro e conselheiro
Conversando com os clientes sobre a escolha do visual
Para um glossário do corte e da técnica
Conselho | geral | — Espessura, textura e tipo |
Conselho | 1 | — Análise das limitações- |
Conselho | 2 | — Situação assumida |
Conselho | 3 | — Alternativas e opções |
Conselho | 4 | — Desfrisagem e permanente |
Conselho | 5 | — Personalidade e moda |
Conselho | 6 | — Estudo do rosto |
Conselho | 7 | — Tipos e modelos |
Conselho | 8 | — Tratamento capilar |
Conselho | 9 | — Operação de secagem |
Conselho | 10 | — Problemas do cabelo misto |
Conselho | 11 | — Cabelo normal — parabéns e saúde |
Conselho | 12 | — Cabelo seco — problemas e atenção |
Conselho | 13 | — Cabelo oleoso — precauções e cuidados |
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