notas pouco diárias de Francisco Seixas da
Costa
notas pouco diárias de Francisco Seixas da
Costa
sábado, 19 de janeiro de 2013
Despedidas
Estes têm sido, como é natural, os dias das
despedidas, dos amigos e dos conhecidos. É um ciclo por que já passámos outras
vezes e que sempre nos dá alguma medida daquilo que, ao longo de cada posto,
fomos criando de relação pessoal e profissional. É um período algo "stressante"
mas muito agradável, em que nos damos conta de que talvez devêssemos ter passado
mais tempo com essas pessoas. Mas a vida é o que é.
Ontem, ao final da tarde, mais de duas centenas
de amigos tiveram a amabilidade e a simpatia de afrontar a temperatura negativa
e a neve que cobria as ruas de Paris, para virem juntar-se a nós num encontro,
não de "adieu" mas de "au revoir". Tive então oportunidade de assumir, perante
eles, que nós, os diplomatas, somos uns verdadeiros privilegiados. Menos por
aquilo que os sinais exteriores indiciam mas, muito mais, pelas oportunidades
que fomos tendo, ao longo desta vida errante, de conhecer gente diferente,
muitas pessoas interessantes, oriundas de outras culturas e com diversas
perspetivas de vida. Guardamos para a vida amigos de imensas nacionalidades,
alguns com quem mantemos relações regulares, outros que fomos reencontrando,
outros que cruzamos a espaços, com o email e o facebook a ajudar. Essa é a
verdadeira riqueza que se acumula numa carreira como a nossa, a qual, no meu
caso, se suspende no final do mês.
Com boa música à mistura - Irene Lima no
violoncelo, Adriano Jordão ao piano -, juntámos algumas das muitas pessoas que
Paris nos proporcionou o ensejo de conhecer. Sentimos pena por não ser possivel
ter conosco todos quantos nos ajudaram a transformar este nosso posto de Paris
na bela jornada profissional e humana que foi. Mas cada um sabe bem o que lhe
devemos.
Dei comigo a pensar que é muito interessante
olhar, em perspetiva, para esse círculo de relações. Os embaixadores são
diferentes uns dos outros, nas ideias, na forma de estar, nas opções que tomam.
Tudo isso ajuda a defini-los, pela positiva e pela negativa. São medidos no
plano profissional, desde logo por Lisboa, mas também pelos diversos setores que
se ligam às embaixadas: comunidade, empresários, meios culturais, imprensa e,
também, pelos estrangeiros, os outros diplomatas, autoridades e amigos locais de
Portugal. Mas são igualmente avaliados no plano humano, pelo que projetam, pelo
que dizem, pelo modo como se relacionam. É assim, em toda a parte.
Não conheço nenhum embaixador que, em algum
posto, tenha feito a unanimidade. Há quem goste de nós, mas há sempre quem nos
olhe de forma distante. É a lei da vida. No que me toca, e por onde passei,
tentei sempre garantir duas coisas. Em primeiro lugar, que os interesses
portugueses fossem protegidos: a imagem do país, os interesses económicos, os
valores culturais, a defesa dos direitos das comunidades, a manutenção de uma
interlocução positiva e eficaz com as entidades locais. Mas cuidei também,
sempre, em que, no plano pessoal e humano, fosse possível manter uma relação com
as pessoas de onde transparecesse o respeito que devemos aos outros, a
cordialidade que há que transmitir na relação com terceiros. Se consegui, ou
não, fazer isso, não me compete a mim dizê-lo.
Ontem à tarde, nos dourados quase
aristocráticos da rue de Noisiel, não deixei de recordar - talvez para surpresa
de alguns - que, ao longo de todo este tempo em Paris, nunca me deixei de
considerar embaixador de "todo" o Portugal que por aqui está, desde logo a
começar por quantos vieram para França em condições muito difíceis, em registos
de tragédia e de aventura humana que o país não tinha o direito de lhes exigir.
E, por isso, ao lado de embaixadores estrangeiros, de empresários portugueses e
franceses, de figuras gradas da vida social parisiense, tivemos o gosto de ter
conosco amigos que vieram para França "a salto", que viveram no "bidonville" de
Champigny, que passaram "as passas do Algarve" ou que são oriundos dessa
geração. Gente de todas - de todas! - as cores políticas, de todos os estratos
sociais. Hoje, simplesmente, amigos.
No final, confesso gostei muito que a última
música, escolhida e interpretada pelo Adriano Jordão e pela Irene Lima, tivesse
sido de Fernando Lopes-Graça. Uma canção popular transmontana.
Sem comentários:
Enviar um comentário