4 de fevereiro de 2011

DR. MIGUEL ROZA "ESCRITOR E CIRURGIÃO SOBRINHO DE FERNANDO PESSOA"

RECORDAÇÕES DO SOBRINHO DE
FERNANDO PESSOA
EM RELAÇÃO À BARBEARIA.
 Vivi com o meu tio, o poeta Fernando Pessoa na nossa casa de Campo de Ourique, em Lisboa (actual Casa Fernando Pessoa), até aos meus cinco anos de idade, juntamente com os meus pais e irmã mais velha e, a propósito de «barbeiros», vou-vos contar uns acontecimentos que ainda me recordo.
«Quando o meu tio estava em casa, prestava-se a brincar com a minha irmã e comigo. A minha irmã, que uma vez por outra o tinha acompanhado ao barbeiro, o senhor Manacés, dono da barbearia em frente da nossa casa, fingia que lhe ia fazer a barba. Sentava-o no sofá de pelica azul situado na nossa casa de jantar, punha-lhe um guardanapo entalado na gola da camisa, arranjava uma tigela com água morna que eu, auxiliar de barbeiro imberbe, segurava com a importância dada ao meu cargo de ajudante, depois besuntava-lhe a cara com espuma de sabonete aplicada com um pincel de barba e, com uma faquinha de galalite (o plástico daquela época), fingia que lhe fazia a barba dizendo as mesmas frases que ouvira o barbeiro dizer-lhe. O meu tio prestava-se a tudo com muita seriedade e no fim dava-lhe uns trocos. Eu, como subordinado dela, ajudante incipiente, não recebia nada! Infelizmente nessa altura não havia sindicato para me queixar! E, ainda por cima era «trabalho infantil»!
A minha irmã ia logo comprar uns chocolates à pastelaria em frente à nossa casa. Penso que ele aproveitou estes episódios para mais tarde escrever estas linhas no poema «Tabacaria» de Álvaro de Campos:
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo se não chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é folha de estanho, deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida!)».
Estas e outras recordações fazem que a imagem do meu tio ainda perdure junto ao meu coração!
Miguel Roza
(médico e escritor).
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Dr. Miguel Roza
Como meu estimado cliente e como grande escritor e grande cirurgião, os meus parabens e obrigado, pena não termos, aqui seu tio Fernando Pessoa.
Um abraço,  Joaquim Pinto

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