8 de fevereiro de 2012

Domingo, Fevereiro 05, 2012

Debate no Porto em torno do livro de Anselmo Borges “Corpo e Transcendência”

Na perspectiva do autor do livro ora apresentado, o debate é a melhor forma de levantar e partilhar questões constantes ou subjacentes às temáticas do mesmo, contribuindo desta forma para motivar os participantes para a sua leitura. Dando corpo a este figurino, decorreu,  no passado dia 27 de Janeiro,  na Fundação Eng.º António de Almeida, o debate “O Corpo, o Tempo e Deus”, moderado por Anselmo Borges, e que contou com a participação de Daniel Serrão, Frei Bento Domingues e José Pacheco Pereira. Foi um acontecimento cultural marcante pela qualidade das intervenções, tendo  despertado vivo interesse na numerosa assistência, que rondou as 250 pessoas.
Anselmo Borges começou por referir que  a cultura deverá ter um papel decisivo  para ultrapassar a brutal crise em que nos encontramos, abrindo novos horizontes de análise e de perspectiva.  A propósito,  Adriano Moreira,  no prefácio de “Corpo e Transcendência”,  chama a atenção para a “contribuição oportuna, actual e  exigente” deste  livro para a necessidade de promover o encontro entre a cultura dita cientifica e das humanidades , “neste  mundo sem governança , em que proliferam as ameaças”. Prosseguindo, Anselmo Borges afirmou que a antropologia tem de começar pelo corpo, mas de tal maneira que se supere tanto o dualismo como uma concepção materialista reducionista. Eu sou um corpo que diz eu, que se realiza com os outros no tempo e aberto à Transcendência.  “No fundo, este livro trata do enigma humano”, concluiu, para dar a palavra aos três intervenientes.
O Professor Daniel Serrão começou por sublinhar que um novo livro de Anselmo Borges não é uma banalidade, é um acontecimento, e Corpo e transcendência não foge à regra: é um acontecimento cultural que vai obrigar a intelligentsia portuguesa a ler e a reflectir. “Porque não é um livro fácil, dado que aborda com coragem os mais difíceis problemas da antropologia, da filosofia e da teologia”.
Entrando no tema, disse que a biologia evolutiva e a genética molecular mostraram que o corpo do homem é igual ao corpo de qualquer primata não humano. Só uma pequena parte do lobo frontal do cérebro é diferente, mas é ela que transforma o corpo animal numa corporeidade humana. Que é humana porque através dela se exprime uma forma particular de ser e de estar no mundo que é especificamente humana. “Sem cérebro humano não há pessoa humana”. Mas esta condição necessária é também causa eficiente?, perguntou. Há aqui uma diferença de natureza que se tem mostrado até hoje intransponível pela ciência. Damásio, no seu recente livro sobre a consciência, reconhece esta dificuldade, mas afirma que ainda é cedo para a ciência se considerar derrotada. É uma esperança legítima, mas não é mais do que uma esperança, disse Daniel Serrão. Continuando, afirmou que hoje sabemos que parte das capacidades e desempenhos humanos que eram tidos como capacidades da alma são bem explicados pela fisiologia cerebral actual; têm, como se diz, correlatos morfofuncionais. O que não tem correlato morfológico neuronal é a autoconsciência, o conhecimento de si próprio por si próprio, o eu nuclear ao qual tudo se refere. A autoconsciência é um espaço tão virtual que nem espaço é e está fora da categoria temporal, é um permanente agora. E concluiu: “Porque transcende o corpo, não morre quando o corpo morre.”
Frei Bento Domingues enalteceu o contributo de Anselmo Borges no desenvolvimento de uma cultura  em que a preocupação, o horizonte e o método foram sempre guiados mais pelas interrogações do que pelas respostas. Para além dos argumentos da autoridade que enumeram aquilo em que se deve acreditar, importa sustentar a razoabilidade daquilo que é apresentado como verdade. Assim, os recentes livros de Anselmo Borges “Deus e o sentido da existência” ( Gradiva) e “Corpo e Transcendência” (Almedina,  em reedição revista e aumentada) dão muito que pensar, evitando respostas apressadas.
José Pacheco Pereira apresentou-se como incréu, o que o diferenciava do pensamento e da visão dos colegas de mesa. Salientou que  Deus não se encontra na evolução,  entendendo  que os contributos do paradigma da sociobiologia poderão explicar as funções das religiões. Para este historiador e comentador político, a aceitação de um código de valores não passa de uma convenção partilhada.   Mesmo a auto-consciência/auto-gnose poderão constituir um mecanismo de adaptação. E acha que a robótica e as neurociências poderão dar uma contribuição importante  para o emergir desta mesma auto-consciência. Argumentou que a religião remete para o mistério as vertentes do desconhecido ou verdades que fogem à explicação lógica ou racional. A fé para ele é a adesão  a algo tido como certo. Deus a existir deveria mostra-se e aparecer num local “improvável”, como uma cooperativa alentejana. Apesar de tudo, reconhece “o papel da religião como dador de complexidade e isso pode ajudar a fazer o mundo melhor”, já que a tecnologia não muda a sociedade.
A partir destas e de outras posições de Pacheco Pereira, gerou-se uma viva  troca de pontos de vista entre os três elementos da mesa e a assistência.  Este debate mostrou, como disse Anselmo Borges na síntese final, que o homem é um ser que faz perguntas . Este serão poderá ter constituído a oportunidade  para que muitos dos presentes venham a ler o livro “Corpo e Transcendência”, onde se enquadram, se sistematizam e actualizam  perspectivas de resposta e reflexões para muitas das questões aí levantadas.
Publicado por Marinho Borges Às 16:49

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